Por Alexandre Pedrassoli
A psicologia, uma ciência bastante recente em termos históricos, ainda está à espera de uma unificação, uma lei geral que coordene suas diversas visões, por vezes antagônicas. Alguns autores admitem inclusive a existência não de uma única disciplina chamada psicologia, mas de diversas psicologias. Realmente, as diversas abordagens psicológicas, como a psicanálise, o behaviorismo e o humanismo, entre outras, divergem em sua essência, já que apresentam diferentes visões do ser humano. São portanto, incompatíveis, desde seus pressupostos mais elementares.
Pode-se dizer que a psicologia transpessoal é a primeira tentativa de integrar as diferentes visões de homem em uma visão mais ampla e abrangente, onde as divergências de opinião não sejam mais vistas como antagonismos, mas como visões complementares e não-excludentes sobre o mesmo objeto de estudo: o ser humano
O termo transpessoal significa “além do pessoal” ou “além da personalidade”. Utiliza-se esse termo porque a psicologia transpessoal ocupa-se de capacidades humanas que estão além da esfera do ego. A abordagem transpessoal procura integrar em sua visão todo o potencial humano que está ainda por desenvolver. Essas capacidades potenciais estão relacionadas à existência de estados superiores de consciência, ainda desconhecidas para a maior parte da humanidade. O caminho para atingir esses estados é o caminho da autotranscendência, ou superação do ego individual. Daí os termos: superação do ego, além do ego, trans-ego, transpessoal.
A psicologia transpessoal é também a primeira corrente da psicologia a considerar expressamente que o homem possui uma dimensão espiritual. Chega a ser uma ironia que a psicologia, que adotou uma palavra que significa “estudo da alma” para definir a si própria (do grego: psykh(o) = alma e logía = ciência, estudo sistemático), não tivesse até então se interessado em estudar mais detidamente a espiritualidade humana. O Prof. Dr. Elias Boainain Jr., em sua tese de doutorado sobre as dimensões transpessoais da psicologia rogeriana (veja Carl Rogers), fala-nos sobre a espiritualidade como um dos objetos de estudo da psicologia transpessoal:
A espiritualidade, ou a dimensão espiritual do homem [...] identifica o Movimento Transpessoal como a primeira corrente da Psicologia contemporânea que dedica atenção sistemática e privilegiada à dimensão espiritual da experiência humana, até então ignorada, negada, negligenciada ou reduzida a derivações secundárias de outras faixas inferiores do ser, como a sexualidade e a agressividade sublimadas, por exemplo. O próprio uso mais ou menos freqüente e generalizado do termo espiritual que os transpessoais fazem, tomando emprestado à Religião este e outros vocábulos, na falta de termos próprios na tradição psicológica ocidental, fala-nos do desinteresse da Psicologia pelo assunto. (BOAINAIN JR., 1996)
Histórico
Reconhece-se atualmente na psicologia quatro grandes correntes, ou “forças”. A Primeira Força é a abordagem comportamental ou Behaviorismo. A Segunda Força é a Psicanálise, fundada por Sigmund Freud e a Terceira Força é a Psicologia Humanista. A Psicologia Transpessoal surgiu então com a proposta de ser a Quarta Força da Psicologia (para mais detalhes, veja O que é psicologia (para leigos)). De modo diferente das 3 forças que a antecederam, a Psicologia Transpessoal não aparece com contestação das correntes já vigentes, mas como uma evolução natural da Terceira Força, a Psicologia Humanista. De fato, é de dentro do movimento humanista que surgem alguns dos “fundadores” do movimento transpessoal. Dentre eles, destacam-se Abraham Maslow (1908-1970) e Antony Sutich (1907-1976). Em seu livro Introdução à Psicologia do Ser, na edição de 1968, Maslow aponta para o surgimento da Quarta Força:
Devo também dizer que considero a Psicologia Humanista, ou Terceira Força em Psicologia, apenas transitória, uma preparação para uma Quarta Força ainda “mais elevada”, transpessoal, trans-humana, centrada mais no cosmos que nas necessidades e interesses humanos, indo além do humanismo, da identidade, da individuação (…). (MASLOW, 1998, p.ii).
Em 1967, um comitê liderado por Sutich e do qual participaram nomes como James Fadiman, Michael Murphy, Miles Vich e Sidney Jourard, passa a reunir-se para organizar a publicação de uma revista de Psicologia Trans-Humanística, primeiro nome dado à nova abordagem. Em 1968, o mesmo comitê, com a participação de Viktor Frankl e Stanislav Grof, mudam o nome para Revista de Psicologia Transpessoal (Journal of Transpersonal Psychology) e a revista é lançada em 1969. É a partir de então que o termo “transpessoal” passa a ganhar força. Em 1972, funda-se a Associação de Psicologia Transpessoal (Association for Transpersonal Psychology). Marcia Tabone relata esse período inicial:
Durante os dez primeiros anos de existência da Association for Transpersonal Psychology, houve uma rápida evolução e a perspectiva transpessoal transcendeu os limites da Psicologia, da Psiquiatria e especialmente da Psicoterapia. As descobertas revolucionárias de outras disciplinas, como a Física quântica relativista, a teoria dos sistemas, a Parapsicologia, a Holografia, etc., confirmaram e fundamentaram as constatações apresentadas pelo movimento transpessoal. (TABONE, 1988, p.99)
Do surgimento do movimento até os dias de hoje, nota-se que houve uma mudança de ênfase. Originalmente entusiasmada com os chamados “estados alterados de consciência” (atualmente denominados “estados inusuais de consciência”), passou gradualmente a procurar uma visão integradora, que procurasse absorver as teorias antecessoras e dar um corpo único à psicologia, de acordo com a nova visão de homem. Autores como Roberto Assagioli, com sua Psicossíntese e Ken Wilber, com a teoria do Espectro da Consciência que resultou na sua Psicologia Integral, colaboraram para criar modelos abrangentes da consciência humana, tentando englobar as demais correntes psicológicas. A Psicologia Transpessoal observou também que alguns estados comumente classificados como “surtos psicóticos” se assemelhavam às experiências místicas de vários povos, de diversas linhas religiosas e espirituais. Passou então a considerar que alguns desses “surtos” são na verdade experiências de transcendência ou de dissolução temporária do ego, para uma ampliação de consciência. Stanislav Grof chama esses estados de “emergência espiritual”, e ocupou-se de estabelecer critérios para diferenciá-los dos surtos psicóticos. Essas “experiências culminantes”, segundo a terminologia de Maslow, são assim descritas por Grof.
Sentimentos de unidade com todo o universo. Visões e imagens de épocas e locais distantes. Sensações de vibrantes correntes de energia percorrendo o corpo, acompanhadas de espasmos e violentos tremores. [...] Vívidos vislumbres de luzes brilhantes e das cores do arco-íris. Temores de insanidade, e até de morte, iminente. (GROF, 1989, p.23)
Segundo a Associação de Psicologia Transpessoal, estes são, entre outros, os objetos de estudo dessa associação: • Psicologia e Psicoterapia • Meditação, caminhos e práticas espirituais • Mudança e transformação pessoal • Pesquisa da consciência • Vício e recuperação • Pesquisa de psicodélicos e estados alterados de consciência • Morte e Experiências de Quase-Morte (EQM) • Auto-realização e valores superiores • A conexão mente-corpo • Mitologia e Xamanismo • Experiências culminantes
Atualmente, a Psicologia Transpessoal no Brasil encontra ainda resistências junto ao meio acadêmico, embora um número crescente de trabalhos nessa linha venha sendo produzido. Poucos cursos de graduação em Psicologia oferecem a disciplina de Psicologia Transpessoal, embora haja um gradual crescimento na oferta de cursos de especialização nessa área. Nos Estados Unidos, há vários anos, já existe a especialização em Psicologia Transpessoal, sob diversos nomes. Um desses cursos em funcionamento é o de Psicologia Integral, idealizado por Ken Wilber.
Links relacionados:
Journal of Transpersonal Psychology: www.atpweb.org/journal.asp Association for Transpersonal Psychology: www.atpweb.org ALUBRAT – Associação Luso-Brasileira de Transpessoal: www.alubrat.net ABPT – Associação Brasileira de Psicologia Transpessoal: www.abptranspessoal.com
Autores Relacionados:
• Abraham Maslow • Anthony Sutich • Carl Gustav Jung (pesquisar livros) • Carl Rogers (pesquisar livros) • Frances Vaughan • Fritjof Capra (pesquisar livros) • Ken Wilber (pesquisar livros) • Pierre Weil (pesquisar livros) • Roger N. Walsh • Stanislav Grof (pesquisar livros) • Viktor Frankl (pesquisar livros)
Referências Bibliográficas
Association for Transpersonal Psychology. About ATP: Transpersonal Perspective. Disponível em: <http://www.atpweb.org/transperspect.asp>. Acesso em 8 maio 2008.
Boainain Jr., Elias. Transcentrando: Tornar-se transpessoal. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, Instituto de psicologia. São Paulo, 1996.
Grof, Stanislav. Além do Cérebro. São Paulo: McGraw-Hill, 1988.
Grof, Stanislav; Grof, Christina. Emergência Espiritual. São Paulo: Cultrix, 1989.
Maslow, Abraham M. Toward a Psychology of Being (Introdução à Psicologia do Ser). 3.ed. Now York: John Wiley & Sons, 1998.
Tabone, Marcia. A Psicologia Transpessoal. São Paulo: Cultrix, 1988.
Artigo autorizado pelo Autor em 20/08/2011.
http://www.buscadorerrante.com/wp/2008/psicologia-transpessoal/
Comments